Vinhos de Appassimento

Você já bebeu algum vinho de Apassimento ou Passito? Se você já bebeu um Amarone ou um Recioto a resposta é sim. Mas você sabe realmente o que é um vinho de Appassimento e de onde vieram esses vinhos? Como são elaborados? Um vinho de Apassimento sempre é doce? Nesse artigo feito para a degustação de um painel desses vinhos você vai poder tirar todas as suas dúvidas.

Vinhos de Appassimento

 

Vinhos de appassimento ou vinhos do método passito, são vinhos elaborados a partir de uvas desidratadas, semipassificadas. Esse método visa aumentar nos vinhos a estrutura, a concentração de sabor (e a cor das uvas no caso dos tintos). Outro fator que ocorre é que as uvas também concentram açúcares, logo, após a fermentação o vinho resultante costuma ter bastante açúcar residual ou ser bem alcoólico.

Este método é muito utilizado no Veneto, região do nordeste da Itália. Lá na sub-região Valpolicella existem 2 indicações geográficas que contemplam vinhos tintos feitos pelo método de appassimento: O Amarone della Valpolicella DOCG (tinto seco) e o Recioto della Valpolicella DOCG (tinto doce). São os vinhos de maior expressão no mundo elaborados por esse método. Ao lado de Valpolicella, na sub-região de Soave existe o Recioto di Soave DOCG, que é um vinho branco doce elaborado pelo mesmo método, mas que não tem tanta expressão no mundo. Outro exemplo de vinho elaborado pelo método de appassimento é o Passito di Pantelleria DOC. É um vinho branco doce elaborado com a uva Zibibbo (Moscatel de Alexandria) na pequena Ilha de Pantelleria, próxima à Sicília.

Devido ao grande sucesso mundial alcançado pelo Amarone, vinícolas de outras regiões da Itália e de outras partes do mundo como Argentina e Brasil empreenderam na elaboração dos seus próprios vinhos de appassimento. Em alguns casos buscando parceria com vinícolas do Veneto que já tinham a expertise no método, como a Bodega Renacer na Argentina que fez parceria com a Allegrini da Itália e a Vallontano no Brasil que fez parceria com a italiana Masi. Será que eles conseguiram um bom resultado?

 

Amarone, o Rei dos vinhos de Appassimento

 

O Amarone é o mais afamado vinho de appassimento do mundo. Caiu no gosto dos apreciadores e criou-se todo um status acerca das suas virtudes. É um vinho de muita qualidade, com o sabor intenso, de grande complexidade e elegante.

 

Amarone Della Valpolicella é uma DOC desde 1968. O vinho ganhou fama internacional e recebeu o mais alto status das denominações italianas, a DOCG em 2009. É um vinho com capacidade de envelhecimento de mais de 20 anos e que pela particularidade de ter os seus elementos em alta como alto teor alcoólico, alto açúcar residual, alto glicerol, alta fruta, alta acidez e muito corpo fornece aos apreciadores um turbilhão de emoções. Deixando-os muito apaixonados ou no mínimo muito curiosos. Mas nunca indiferentes.

 

O Amarone, como outros vinhos que ganharam fama, sofreu com as cooperativas que queriam aumentar os seus rendimentos, como se já não fossem altos. Aproveitando a esteira do sucesso de marketing e o seu alto valor agregado alcançado, cada vez mais as todo-poderosas cooperativas destinavam as suas colheitas para a produção de Amarone, trabalhando com altos rendimentos e não conseguindo manter uma boa qualidade. De 2000 a 2003 a produção de Amarone dobrou. Em 2006 mais de 1/3 das uvas de Valpolicella estavam sendo destinadas para a produção de Amarone. Por isso os órgãos reguladores estabeleceram novas regras e atualmente os produtores só podem engarrafar 1 Amarone a cada 4 Valpolicellas. Por outro lado, existem singulares produtores como o tradicional Giuseppe Quintarelli e o mais moderno Dal Forno Romano que tem tanta dedicação na produção e trabalham com tanta qualidade que os preços das suas garrafas passam dos R$ 3000,00 no Brasil. A queda de braço continua entre os órgãos reguladores italianos e as todo-poderosas cooperativas. Os primeiros querendo reduzir e os segundos aumentar os rendimentos.

Veneto, o berço do Amarone

 

O Veneto tem 77.644 ha de área plantada. É a região de maior produção de vinhos da Itália. Entre seus principais vinhos estão: O Prosecco que é principalmente espumantes produzidos com no mínimo 85% da uva Glera principalmente pelo método Charmat (de tanque), os vinhos brancos com a uva Garganega como nas denominações Soave e Gambellara, os vinhos tintos da uva Merlot como nas denominações Colli Euganei, Colli Berici, Breganze e Vicenza, e os tintos com a uva Corvina que é a principal das 4 uvas mais utilizadas no blend do Bardolino e do Valpolicella. Falando nisso, reza a lenda que Valpolicella deriva do Latim e significa “cidade de muitas cantinas”.

 

O Amarone não é o único estilo de vinho da sub-região Valpolicella, existem outros. As 5 denominações de origem Valpolicella são: Valpolicella DOC, Valpolicella Superiore DOC, Valpolicella Superiore Ripasso DOC, Amarone della Valpolicella DOCG e Recioto della Valpolicella DOCG. Recentemente a comunidade europeia unificou a DOC e a DOCG em DOP (Denominazione di Origine Protetta) que são 408 na Itália, mas a rotulagem com os termos tradicionais ainda é permitida.

 

O termo Classico que pode vir no rótulo de um Valpolicella ou Amarone, significa que as uvas desses vinhos são provenientes da região original, mais antiga que compreende os vinhedos plantados nos melhores solos nos sopés das montanhas. O solo nessa área é composto de calcário, argila e alguma rocha vulcânica, sendo solos mais frios, o que juntamente com a influência da altitude, abranda o ritmo de amadurecimento, dando às uvas um sabor plenamente maduro, mas com maior acidez, o que possibilita ao vinho envelhecer por mais tempo. Já os vinhedos na planície fora da região clássica, têm solos de cascalho e areia, que são mais quentes, gerando uvas mais frutadas e com menor acidez, dando vinhos com menor longevidade. A região clássica é composta pelas comunas de Fumane, Marano, Negrar, San Pietro in Cariano e Sant’Ambrogio. O outro termo utilizado nos rótulos é Valpantena, uma região intermediária entre a região Classica e a Valpolicella comum. Significa que o vinho é feito com uvas desta região para a qual os vinhedos de Valpolicella foram se estendendo com o aumento da demanda.

 

Os 5 estilos de Valpolicella

 

Valpolicella

Um vinho de corpo leve para o dia a dia. Deve ter teor alcoólico mínimo de 11% e não estagia em carvalho. Costuma ter aromas de cereja e leve terroso. Bom para acompanhar pizzas e massas leves.

 

Valpolicella Superiore

Um vinho com um pouco mais de corpo e cor que o Valpolicella. Uma boa aposta para o final de semana. Tem teor alcoólico mínimo de 12% e estágio de 1-2 anos em carvalho. Costuma ter aromas de frutas negras e elevada acidez. Acompanha massas com molhos mais densos, frango grelhado, queijos frescos e charcutaria.

 

Valpolicella Superiore Ripasso (Ripasso della Valpolicella)

Um vinho de corpo médio a encorpado para um jantar mais caprichado. Rico, complexo, macio e com um custo mais alto, porém ainda acessível. Um estilo similar para quem gosta de Cabernet Sauvignon chileno e quer se aventurar pelo vinho italiano. Ele é feito “repassando” (remacerando e refermentando) o Valpolicella com as cascas das uvas resultantes da produção do Amarone. Logo fica um Valpolicella com mais cor, corpo e maior teor alcoólico. Tem aromas de calda de cereja e pimenta verde. Acompanha carnes e harmoniza bem com molhos à base de cogumelos.

 

Amarone della Valpolicella

Um vinho encorpado com taninos firmes para um jantar-fora especial. Evoluído fica bem macio. As mesmas uvas do Valpolicella são colhidas cedo, quando ainda tem muita acidez, colocadas em caixas ou esteiras e armazenadas em galpões onde são desidratadas naturalmente por um período de 3 a 4 meses, perdendo até 40% do seu peso. O mosto com alta concentração de açúcares é fermentado por um longo período até o vinho ficar meio seco. Deve ter teor alcoólico mínimo de 14%, acidez total mínima de 5 g/L, açúcar residual mínimo de 12 g/L e no mínimo 24 meses de envelhecimento contados a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à colheita. Para o envelhecimento normalmente se usam tonéis de 5.000 L de carvalho eslavo chamados botti. Produtores mais modernos já estagiam parte do vinho em barricas francesas de 225 L. Tem aromas de frutas secas, figo, cedro, açúcar mascavo e se bem envelhecidos podem dar uma leve nota oxidativa. Acompanha carnes refogadas, queijos envelhecidos e até chocolate amargo ou meio-amargo. Os Amarones Riserva são feitos somente em safras excepcionais e geralmente provém de vinhedos únicos. Devem ser envelhecidos por um período mínimo de 48 meses a partir de 1º de novembro do ano da colheita. São mais bem elaborados e mais refinados, logo são também mais caros. Os Amarones Riserva podem facilmente suportar uma guarda superior a 20 anos.

 

Recioto della Valpolicella

É um vinho de sobremesa extremamente concentrado, complexo, tânico e com bastante acidez para ocasiões especiais e outros casos de exceção. São utilizadas as mesmas uvas e o mesmo processo de appassimento que o Amarone, porém a fermentação é interrompida antes, resultando em mais açúcar residual e um menor teor alcoólico. Existe uma lenda de que o Amarone foi um Recioto que esqueceram de interromper a fermentação, ficando um vinho seco, Amaro (amargo). Outra lenda é que o nome Recioto é uma corruptela de orecchio (orelha em italiano) ou recie (orelha no dialeto veronês) porque esse vinho era produzido com as uvas mais doces do cacho, ou seja, as que ficavam na parte mais alta e externa. O Recioto deve ter teor alcoólico mínimo de 12%. Tem aromas de uva-passa, cereja negra, cravo e avelã torrada. Um vinho de meditação e que também harmoniza bem com chocolate preto. Pode envelhecer por 20-30 anos.

 

E mais uma para o rol de lendas envolvendo estes vinhos. Dizem que essa estória de secar uvas veio de um nobre que herdou terras com vinhedos nesta região e que chegando lá para conhecê-las viu que as uvas não haviam sido colhidas e já estavam secas. Para não perder a safra o nobre mandou colhê-las e fazer um vinho assim mesmo. O mosto resultante bastante açucarado não permitiu que as leveduras completassem a fermentação, resultando em um vinho doce, o Recioto. O restante da estória já foi contada acima.

 

As uvas dos Valpolicella

 

As 4 principais uvas utilizadas nas denominações Valpolicella são: A Corvina Veronese (ou simplemente Corvina ou Cruina) que deve compor entre 45-95% do blend, podendo ser substituída em 50% pela Corvinone. Elas formam a espinha dorsal desses vinhos com seus aromas picantes de frutas vermelhas e amêndoas verdes. A Corvina é uma uva italiana autóctone desta região, tem pele fina, cor moderada, níveis baixos a médios de taninos e acidez alta. A terceira uva é a Rondinella que deve compor o blend entre 5-30% e adiciona aromas florais. A quarta é a Molinara que possui pouca cor e elevada acidez. Essa não é mais obrigatória na composição do blend e está caindo em desuso pelos produtores por ir contra uma tendência moderna dos vinhos de já chegarem ao mercado prontos e macios, sem a necessidade de maior guarda.

 

As outras variedades aprovadas pelo Registro Nacional de variedades para o cultivo na Província de Verona, não podem ultrapassar o limite de 25% do blend total. De forma que seja no máximo 15% para qualquer uma das uvas aprovadas no Registro Nacional de Verona quando em conjunto e no máximo 10% para cada uva isoladamente. Sendo que dos possíveis 25%, pelo menos 10% tem que ser composto por uvas autóctones italianas constantes na Lei 82/06 art. 2, desde que seu cultivo seja permitido pelo Registro Nacional de Verona. Alguns exemplos das possíveis uvas utilizadas nos 25% restantes são: Molinara, Oseleta, Negrara, Pelara, Forselina, Croatina, Arinarnoa, Marselan, Sangiovese, Barbera, Dolcetto, Montepulciano, Nebbiolo e Cabernet Sauvignon.

Esquema de Vinificação dos Valpolicella

 

 

 

Os vinhos – Tabela 1

 

Vinho Crede Prosecco Di Valdobbiadene Brut Enamore (atualmente Millamore) Ammasso Rosso Sicilia DOC Masi-Zanini Oriundi
Safra 2013 2014 2014 2011
Produtor Bisol Renacer-Allegrini Barone Montalto Vallontano
Teor alc. % 11,5% 14% 14,5% 13%
Corte 85% Glera

10% Pinot Bianco

05% Verdiso

45% Malbec

40% C. Sauvignon

10% Bonarda

05% Cabernet Franc

Nero d’Avola

Nerello Mascalese

Merlot

Cabernet Sauvignon

70% Tannat

15% Teroldego

10% Corvina, Recantina e Turqueta

05% Ancelotta

País Itália Argentina Itália Brasil
Região Veneto Mendoza Sicília Serra Gaúcha
Sub-região Valdobbiadene Valle de Uco e Lujan de Cuyo Belice Valley Vale dos Vinhedos
Preço em R$ 155 160 179 130
Geografia Montanhoso/

250 msnm

Altitude 1100 e 980 msnm Colinas nos arredores do vilarejo Santa Ninfa no Belice Valley Altitude 750 msnm
Densidade ———————- ——————- —————— ——————-
Rendimento ———————- < 8 tons/ha —————— ——————-
Vinificação  

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Secagem 21 dias/Perdeu 1/3 do peso/12 dias de maceração/Fermentado 14 dias com leveduras selvagens Secagem por 4 semanas/caixas de 5kg/em câmara com temp. controlada Secagem 30 dias em caixas madeira 4kg/5 dias de maceração
Estágio  

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12 meses em tonéis novos de carvalho francês 8-10 meses em tonéis de carvalho de média tosta 18 meses tonéis novos de carvalho francês 600L
Afinamento ———————- —————— 4 meses em garrafa 10 meses em garrafa
Potencial ———————- 8 anos ——————- 10 anos

Os vinhos – Tabela 2

 

Vinho  Valpolicella Ripasso Superiore DOC Ripassa Uvas Desidratadas Merlot Amarone Classico della Valpolicella DOC Riserva Sergio Zenato Angelorum Recioto Classico della Valpolicella DOCG
Safra 2010 2009 2008 2009
Produtor Zenato Luiz Argenta Zenato Masi
Teor alc. % 14% 16% 16,5% 14%
Corte 85% Corvina

10% Rondinella

05% Oseleta

100% Merlot 80% Corvina

10% Rondinella

10% Oseleta

70% Corvina

20% Rondinella

10% Molinara

País Itália Brasil Itália Itália
Região Veneto Serra Gaúcha Veneto Veneto
Sub-região Valpolicella Altos Montes Valpolicella Classico Valpolicella Classico
Preço em R$ 260 310 825 240 x 2
Geografia Colinas da área clássica Valpolicella/250-300 msnm Altitude 885 msnm Colinas da área clássica Valpolicella/300-350 msnm ——————
Densidade 5000 un/ha 3100 un/ha 5000 un/ha ——————
Rendimento 4,5 tons/ha 3,1 tons/ha 4,5 tons/ha ——————
Vinificação 10 dias maceração em aço/leve prensagem/4 meses em tonéis 54/75 hL/refermentado 7 dias com borras Amarone Secagem 43 dias em bandejas/Perdeu 1/3 do peso/15 dias maceração/Fermentado por 45 dias Secagem 3-4 meses em bandejas/Só uma camada de uva/15 dias maceração Secagem 3 meses em esteiras de bambu.
Estágio 18 meses em tonéis de carvalho de 500L 36 meses tonéis de carvalho francês 225L 48 meses em tonéis de carvalho eslavo 75hL 12 meses em tonéis carvalho eslavo 25hL
Afinamento 6 meses garrafa 12 meses garrafa 12 meses garrafa ——————
Potencial 10 anos 10 anos 20 anos 20 anos