Fui curador de um encontro da Confra-Rio Zona Sul e o tema que escolhi foi Pinot Noir pelo mundo. Selecionei rótulos de famosas regiões produtoras desta casta tão difícil de cultivar. O painel ficou bem representativo e aproveitei para fazer uma resenha sobre o tema. Confira tudo a seguir!
Origens
A Pinot existe há aproximadamente 2000 anos, embora nem sempre sob esse nome. Antigos monges já usaram os nomes Morillon, Noirien e Avernat para referenciar a cor da uva ou a sua área de cultivo. A sua origem ainda é oficialmente indeterminada, apesar de haver alguns indícios apontando para a região de Jura, no centro-leste da França, que fica entre a Borgonha e a fronteira com a Suíça.
Juntamente com a Savagnin e a Gouais Blanc, a Pinot forma um trio importante de uvas antigas. Esse trio compõe as variedades mais cultivadas no nordeste da França e sudoeste da Alemanha durante a Idade Média.
Atualmente existem mais de 1000 variações clonais da Pinot com pouca ou nenhuma variação genética. Pinot Noir, Pinot Blanc e Pinot Gris tem o mesmo genoma, se diferenciando apenas por diferentes expressões dos seus genes. Por isso não se sabe qual Pinot no passado cruzou com a Gouais Blanc e originou as castas Aligoté, Auxerrois, Chardonnay, Gamay Blanc, Gamay Noir, Melon, Romorantin e Sacy. Foi também um cruzamento, da Pinot com a Gänsfüsser, que originou a casta César. Pesquisas genéticas indicam algum parentesco da Pinot com a Savagnin Blanc.
O seu nome Pinot derivou do latim “pineau”, que significa pinheiro. Porque o seu cacho é apertado e compacto lembrando um pinheiro. E Noir obviamente significa preto em francês. No Loire também é chamada de Auvernat Noir, na Itália Pinot Nero e na Alemanha Spätburgunder.
Características da uva
A Pinot Noir é uma uva tinta de boa carga aromática, casca fina e pigmentação leve, que amadurece com boa acidez e níveis de taninos moderados. Tem predomínio da cor vermelho claro. É uma uva de brotação e amadurecimento precoces. Ela é sensível ao local de plantio e o seu cultivo é desafiador. Prospera em climas frescos e prefere solos de calcário e marga, que são fatores que ajudam na manutenção de bons níveis de acidez.
Influências climáticas e desafios ao cultivo
Devido à sua brotação precoce está sujeita a ser atingida nas geadas de primavera. Climas frios e úmidos podem levar ao desavinho/coulure, com perda parcial ou total das bagas do cacho após o vingamento por dificuldades no estágio de florada. Por também amadurecer precocemente consegue ser colhida antes das chuvas do outono. Sua casca fina também a deixa mais suscetível à podridão cinza, um problema que surge quando chove muito, especificamente nas semanas anteriores à colheita.
Em climas mais quentes muitos riscos relativos ao cultivo da Pinot Noir são eliminados, mas também leva ao desenvolvimento de aromas cozidos, compotados e à perda da delicadeza das frutas frescas, eliminando o seu encanto. A Pinot Noir apesar da sua curta temporada de crescimento, precisa amadurecer sem pressa.
Por outro lado em regiões demasiado frescas, as uvas não amadurecerão totalmente, dando origem a vinhos com excessivos sabores vegetais como couve e folhas molhadas.
Regiões de cultivo
Regiões primárias
França: Borgonha (~47°N) e Champanhe (~49°N)
A Borgonha é a região clássica dos vinhos de Pinot Noir. Lá as exigências para o bom desenvolvimento da casta são completamente atendidas. O Pinot Noir clássico da Borgonha tem sabores de frutas vermelhas na juventude, que evoluem para sabores de terra, caça e cogumelo à medida que o vinho amadurece. Costumam ter a acidez alta, níveis baixos à médios de taninos, mas isto pode variar dependendo da vinha, do produtor e da safra. De um Borgonha AOC, para um village como Nuits-St-Georges e para um Premier Cru como um Les Vaucrains os níveis de intensidade, complexidade e persistência vão aumentando. Até chegar ao maior nível de classificação, o Grand Cru. Como por exemplo um Richebourg, em que os vinhedos originam os vinhos de Pinot Noir mais poderosos, complexos e de maior longevidade do mundo.
Em Champagne a Pinot Noir ocupa cerca de 38% das vinhas plantadas. O seu cultivo predomina nos distritos de Montagne de Reims e Côte des Bar. A casta aporta estrutura e algum caráter de fruta vermelha ao vinho. Fornece a espinha dorsal da maioria dos cortes. Os Champagne com maior participação da Pinot Noir costumam ter mais corpo.
Regiões secundárias
França: Alsácia (~48°N) e Loire (~47°N)
A Pinot Noir é a única uva tinta permitida na Alsácia. Normalmente estes vinhos não têm nem o corpo nem a concentração dos Pinot Noir da Borgonha. E geralmente os melhores exemplos são tintos frutados e ligeiros ou então os vinhos rosés. Alguns produtores fazem vinhos mais concentrados e com sabores de madeira nova.
No Loire, uma pequena quantidade de Pinot Noir é plantada no distrito Vinhedos Centrais. Como os melhores lugares estão reservados para a Sauvignon Blanc, estes vinhos tintos tendem a ser um tanto raros e geralmente de estilo ligeiro. O rosé de Sancerre deve ser elaborado a partir da Pinot Noir e geralmente tem cor bem pálida, corpo ligeiro e é seco com sabores de fruta delicada, podendo ser feito por prensagem direta ou por maceração curta com as cascas. Os rosés geralmente são fermentados em recipientes inertes com temperatura controlada, a fim de reter os sabores da fruta.
Alemanha: Pfalz (~49°N) e Baden (~49°N)
A Pinot Noir é a terceira casta mais plantada da Alemanha, onde são produzidos grandes volumes, principalmente nas regiões meridionais (menos frias) do Pfalz (Palatinado) e Baden. Estas regiões tem um clima fresco e o estilo típico dos seus vinhos de Pinot Noir é de corpo ligeiro, taninos ligeiros, com pronunciada e perfumada fruta de baga vermelha. Também se encontram estilos com mais corpo, envelhecidos em barril com aromas de madeira.
EUA: Califórnia (~38°N) e Oregon (~45°N)
Os vinhos nos EUA podem levar a denominação da sua AVA (American Viticultural Area) e se não cumprirem os requisitos mínimos para isso levam a denominação do estado ou condado de onde provém suas uvas.
A maioria das regiões do estado da Califórnia são demasiado quentes para se obter Pinot Noir de boa qualidade, mas podemos destacar 3 regiões de clima moderado em que é possível encontrar bons exemplares:
- Nos arredores do povoado de Carneros (abrangido pela Los Carneros AVA, que por sua vez vai de Napa County a Sonoma County) que abriga grandes produtores de espumantes e alguns bons produtores de vinho tranquilo.
- Nas partes mais frescas de Sonoma County (Russian River Valley AVA).
- Em Santa Barbara County (Santa Maria Valley AVA).
Os estilos variam muito conforme a vinha de onde procedem, mas de um modo geral, os Pinot Noir da Califórnia tendem a ter muito corpo. A maioria são intensamente frutados, com sabores de fruta vermelha (cereja, morango) e notas de especiarias doces proveniente do estágio em madeira. Mas uma minoria tem pouca cor e exibe pronunciadas características animais e vegetais (couro, carne, folhas molhadas).
Mais ao norte dos EUA, acima da Califórnia, na AVA de maior produção do estado do Oregon, a Willamette Valley AVA, encontra-se um clima moderado e marítimo mais apropriado ao cultivo da Pinot Noir. Lá se produz alguns Pinot Noir de qualidade muito alta. São vinhos com níveis altos de acidez, sabores de fruta vermelha madura e um toque de especiarias do tipo canela.
Nova Zelândia: Central Otago (~45°S), Marlborough (~43°S), Wairarapa (~42°S)
A Pinot Noir é a segunda casta mais plantada da Nova Zelândia. É amplamente cultivada na ilha sul e em alguns lugares específicos da ilha norte. Os Pinot Noir da Nova Zelândia são geralmente mais encorpados, com níveis bastante altos de álcool, taninos finos e maduros, textura suave, acidez mais baixa e fruta mais intensa que os vinhos da Borgonha. Frequentemente, os sabores de frutas vermelhas (cereja, morango) são acompanhados por notas especiadas.
Central Otago, no sul e interior da Ilha Sul, produz os exemplares mais maduros e mais intensos da Nova Zelândia.
A Pinot Noir também é cultivada em Marlborough, no norte da Ilha Sul, o principal centro vitícola da Nova Zelândia, onde se faz um estilo mais ligeiro e onde grande parte da fruta é utilizada para vinhos espumantes.
Wairarapa é composta por uma série de pequenas áreas de vinha espalhadas por uma extensa área na ponta sul da Ilha Norte. A área mais importante é Martinborough, que tem uma excelente reputação mundial pelos seus Pinot Noir. As temperaturas de verão podem ser altas, mas uma grande amplitude térmica diária faz com que esta área seja adequada para a Pinot Noir. Os exemplares produzidos lá são maduros e tem corpo médio a muito corpo, com notas de ameixa preta e especiarias.
Austrália: Yarra Valley (~38°S), Mornington Peninsula (~39°S) e Tasmânia (~42°S)
A maioria das regiões da Austrália são demasiado quentes para a casta Pinot Noir, apesar de se produzirem alguns vinhos de qualidade superior em alguns lugares que se beneficiam dos efeitos refrescantes das brisas oceânicas ou da altitude, como é o caso de Yarra Valley e de Mornington Peninsula, em Victoria. Nesse caso, o estilo de Pinot Noir pode ir de vinhos ligeiros e elegantes, com aromas perfumados, a vinhos com sabores mais ricos em fruta (morango, ameixa, cereja preta) e taninos mais estruturados e maduros.
A Tasmânia apesar de ter iniciado o seu percurso vitivinícola como uma excelente fornecedora de vinho base para os espumantes australianos, tem provado também fazer excelentes vinhos tranquilos.
África do Sul: Walker Bay (~34°S)
A África do Sul também produz alguns Pinot Noir de alta qualidade, em pequenas quantidades, nos lugares perto da costa, como é o caso de Walker Bay, que goza de uma boa exposição ao oceano.
Chile: Valle de Casablanca (~33°S) e Valle de San Antonio (~34°S)
Os vales de Casablanca e San Antonio na região do Aconcágua no Chile, estão situados entre as montanhas da costa e o Pacífico. Os nevoeiros da manhã e as brisas da tarde que sopram do oceano fornecem um clima mais fresco e muito bom para o cultivo de castas como a Pinot Noir. De lá estão surgindo Pinot Noir intensamente frutados, os quais frequentemente tem sabores a compota de morango e algumas notas de ervas.
Argentina: Patagonia (~39°S)
A Patagonia compreende as províncias de Río Negro e Neuquén. Com vinhas situadas entre os 200 e 250 metros, a influência do arrefecimento aqui não é criada pela altitude, mas sim pela latitude. Uma baixa precipitação e uma grande amplitude térmica diária fazem com que as videiras tenham uma baixa incidência de doenças. Os ventos fortes do deserto constituem um desafio para os produtores locais. Os dias longos com muitas horas de luz e as noites frescas, originam vinhos com sabores de fruta concentrada, mas fresca, e acidez de média a alta.
Brasil: Planalto Catarinense (~28°S) e Serra Gaúcha (~29°S)
Fora o cultivo para a produção de espumantes, existe uma discreta vertente para a produção de vinhos tranquilos. Do Planalto Catarinense, município de São Joaquim, vem se destacando alguns exemplares como o Pinot Noir Suzin (Suzin), o Quinta da Neve (Quinta da Neve) e o Basaltino (Pericó). Na Serra Gaúcha, na região dos Altos Montes, município de Nova Pádua, o engenheiro agrônomo Maurício Ribeiro produz o Pinot Noir Serena e também fornece suas uvas para o amigo Marco Danielle do Atelier Tormentas produzir o Fvlvia Pinot Noir. Ambos com uma abordagem biodinâmica e não intervencionista na vinificação.
Técnicas de vinificação
Normalmente os produtores de Pinot Noir evitam uma manipulação significativa do mosto e optam por uma postura de mínima intervenção. Em climas mais frescos como na Borgonha é comum a chaptalização. Também se usa a fermentação em tanque aberto, pigeages e o estágio em barricas francesas.
Tradicionalmente a maturação dos vinhos de grande qualidade era feita em barricas usadas. Porque as notas de tosta e baunilha conferidas pelas barricas novas poderiam facilmente se sobrepor aos sabores delicados da casta. Porém a melhoria nas técnicas de viticultura, e consequente melhora na qualidade dos frutos, além do avanço nas técnicas de vinificação (por exemplo, os produtores estão cada vez mais aumentando a proporção de cachos inteiros na vinificação) estão aportando aos vinhos mais exuberância da fruta. Com isso, cada vez mais produtores optam por amadurecer parte do vinho em barricas novas.
Embora os vinhos de Pinot Noir sejam mais conhecidos como tintos tranquilos monovarietais, não é difícil encontrar outras formas de apresentação, por exemplo, como em espumante sozinho ou cortado com Chardonnay e/ou Pinot Meunier. Pode também ser encontrado como rosé tranquilo em Sancerre e cortado com a Gamay na Borgonha em vinhos mais simples.
Características dos vinhos
De um modo geral, são vinhos acessíveis ao paladar e fáceis de beber em todas as fases do seu desenvolvimento. Os exemplares econômicos, simples e discretos devem ser bebidos jovens e frutados. Os melhores exemplares da Borgonha e de vinhedos de qualidade superior, tem grande complexidade e intensidade de aromas que se desenvolvem com a guarda.
Tradicionalmente os vinhos feitos com a Pinot Noir quando jovens tem uma coloração rubi pálido a médio. Porém novos clones e novas técnicas para extração de cor, tem levado ao escurecimento de muitos vinhos. Os modernos Pinot Noir, especialmente de alguns produtores do Novo Mundo, podem apresentar uma coloração rubi profunda.
Os seus aromas primários tipicamente consistem em frutas vermelhas como cranberry (oxicoco), romã, cereja vermelha, framboesa e morango. Podendo também aparecer algo floral de violeta. O estágio em madeira não pode ser pronunciado, pois pode facilmente mascarar os aromas frutados. Os aromas secundários podem ser de cravo, canela, sândalo, defumado e torrefação. O envelhecimento pode levar a aromas terciários de terra, barro, folha seca, tabaco, couro, defumado, caça, alho e trufa. A conhecida expressão estrebaria, é uma tradução bem-educada para o que os franceses descrevem como merde de lapin e pode aparecer com maior ou menor intensidade em alguns exemplares. Em vinhos provenientes de climas mais frescos como na França, Alemanha, Itália e Oregon (EUA), predomina uma paleta aromática mais seca com aromas de cranberry, romã, cereja vermelha e cogumelo. Já em climas moderados como Califórnia (EUA), Nova Zelândia, Austrália, Chile e Argentina predomina uma paleta mais doce com aromas de framboesa, morango e cravo. Sendo que em safras moderadamente quentes aparecem aromas de frutas vermelhas compotadas e aromas de frutas pretas como ameixa preta.
No paladar costumam ser moderadamente intensos, com taninos de leves à moderados, acidez de média à alta e corpo médio.
Harmonização
São vinhos versáteis, com amplas possibilidades de harmonização como de peixes oleosos a carnes de peso médio como salmão, magret de canard, carnes envelhecidas (dry aged), por exemplo, o T-bone envelhecido como Pata Negra. Pratos com o acompanhamento de molhos à base de frutas vermelhas azedas como cereja, cranberry e romã. Na culinária brasileira também vai muito bem com aves assadas acompanhadas de manga, com carne seca desfiada acompanhada de cebola em tiras e abóbora cozida e também com peixes carnudos como o tambaqui e o tucunaré.
Bibliografia
– Apostilas WSET 2 e 3
– Apostilas ISG 1 e 2
– Apostila French Wine Scholar
Painel de vinhos
Tabela 1
Nº | Nome | Safra | TA % | País | Região | Sub-região / Denominação | Produtor |
01 | Chacra Treinta Y Dos (32) | 2014 | 13,0 | Argentina | Patagonia | Río Negro | Bodega Chacra (Piero Incisa della Rocchetta) |
02 | Ocio | 2013 | 14,0 | Chile | Aconcagua | Valle de Casablanca | Viña Cono Sur |
03 | Serena | 2012 | 12,5 | Brasil | Serra Gaúcha | Altos Montes | Vinhedo Serena |
04 | Erath Leland | 2011 | 12,5 | EUA | Oregon | Willamette Valley | Erath Winery (Ste Michelle Wine Estates) |
05 | Etude Pinot Noir | 2010 | 14,5 | EUA | California | Los Carneros | Etude Wines (Treasury Wine States) |
06 | Schubert Marion’s Vineyard | 2009 | 15,0 | Nova Zelândia | Wairarapa | Martinborough | Schubert Winery |
07 | Nuits-St-Georges Numéro 1 Vieilles Vignes | 2007 | 13,0 | França | Borgonha | Nuits-St-Georges | Négociant Dominique Laurent |
Tabela 2
Nº | Nome | Safra | TA % | Detalhes | Fornecedor | Preço em R$ |
01 | Chacra Treinta Y Dos (32) | 2014 | 13,0 | 18 meses em barricas de carvalho francês 50% novas e 50% de segundo uso. | Megavinhos | 291 |
02 | Ocio | 2013 | 14,0 | 14 meses em barricas de carvalho francês e 1 mês em inox. | World Wine | 277 |
03 | Serena | 2012 | 12,5 | 8-18 meses em barricas de carvalho francês 20% novas. | Vinhedo Serena | 250 |
04 | Erath Leland | 2011 | 12,5 | 14 meses em barricas de carvalho francês 40% novas. | Adega Hara | 280 |
05 | Etude Pinot Noir | 2010 | 14,5 | 12-14 meses em barricas de carvalho francês | World Wine | 399 |
06 | Schubert Marion’s Vineyard | 2009 | 15,0 | 18 meses em barricas de carvalho francês 40% novas e 60% de segundo uso. | World Wine | 280 |
07 | Nuits-St-Georges Numéro 1 Vieilles Vignes | 2007 | 13,0 | World Wine | 347 |